Análise do poema "A rispidez da floresta", de Marly de Oliveira, segundo a teoria de Roman Ingarden

Análise do poema "A rispidez da floresta", de Marly de Oliveira, segundo a teoria de Roman Ingarden
Roman Ingarden baseou sua teoria de análise da obra de arte literária na fenomenologia de Husserl, segundo a qual tudo o que existe é reduzido à consciência, pois é somente através dela que percebemos e conhecemos o mundo. Nessa perspectiva, a consciência seria aquilo que dá sentido a tudo o que existe. A interpretação ingardiana é voltada totalmente para a obra literária, desconsiderando tudo o que for externo a ela, como biografia do autor, subjetividade do leitor, elementos psicológicos ou o contexto histórico. A análise é absolutamente intrínseca, voltada para a estrutura do texto, para a obra em si, utilizando-se, para isso, de quatro estratos: fônico, das unidades de significação, das objetividades apresentadas e dos aspectos esquematizados. É conveniente observar que, embora perceba-se os quatro estratos presentes na obra, não é possível que se faça uma análise de cada um isoladamente sem que a unidade do texto seja prejudicada. Como lembra Salvatore D’Onófrio, “essa estratificação só existe graças ao esforço analítico do crítico, pois o texto é percebido pelos sentidos e pela consciência, à primeira vista, como um todo orgânico, uma forma homogênea”.

No poema “A rispidez da floresta, que integra o livro O Mar de Permeio, de Marly de Oliveira, pode-se perceber de que forma uma observação conjunta dos estratos pode contribuir para a qualidade da leitura, dando-nos uma possível direção para chegarmos à significação do texto. Composto por uma única estrofe de quinze versos livres e encadeados, formando um todo semântico, o poema de Oliveira não apresenta rimas nem métrica rígida. Não há repetições de palavras, o que nos dá uma impressão de objetividade, pois não repetindo, não anda em círculos. Essa ideia é reforçada nos versos sete e oito, “que entrevê um corredor/ sem curvas de labirinto”, fazendo-nos pensar em um caminho com começo, meio e fim, ou seja, uma trajetória a ser seguida. Percebe-se uma presença maior de substantivos do que de verbos, levando-nos a pensar em algo sólido e estável, confirmado pela enumeração do verso número seis, “de terra, de cascalho, de carvalho”, já que esses três elementos possuem as características da solidez e da permanência através dos tempos. Além de aparecerem menos verbos, demonstrando que o poema não transmite o sentimento de ação, mas sim de fixidez, dois desses verbos são “habitar/construir” (verso nove), confirmando essa ideia. Há, ainda, outros elementos que nos levam a seguir essa linha de pensamento, que seriam as aliterações em “s” e “r”. Essas duas consoantes quando pronunciadas podem propagar-se por longo tempo no ar, fazendo-nos pensar em algo que dura. A linguagem utilizada pelo eu-lírico é direta e “seca”, demonstrando dureza e solidez, o que podemos observar através de palavras como: rispidez, secos, mudez, cascalho, construir, casa, aguda, cortante, certeira, que dão o tom do poema. Percebe-se paralelismo nos versos 1/2 e 11/12, enumerações nos versos 6 e 15 e hipérbato no verso 4. Há variações no ritmo do poema levando-nos a pensar que, embora o caminho percorrido seja algo certo, demonstrado pelos elementos citados anteriormente, há dificuldades a serem superadas no decorrer do trajeto, o que talvez contribua para o olhar “mais seco”, para a ferida que “cria casca”.

Pensa-se na floresta como a alegoria de uma vida difícil, um caminho percorrido com sofrimento, talvez por alguém com idade avançada (por isso “viver com menos pressa”). O sofrimento mudo, solidificado, transformado em terra, cascalho, carvalho, leva o eu-lírico a buscar segurança em “habitar/construir uma outra casa” onde seja possível “acender uma fogueira” para afastar ataque de animais ameaçadores na “noite brava, metáfora de todos os perigos pelos quais se passa e dos medos que temos de tudo o que é desconhecido. O texto apresenta-nos uma floresta, em um plano literal, que representa a vida, em um plano figurativo. 

Abaixo, o poema.

A rispidez da floresta 
Os olhos estão mais secos
o viver com menos pressa
a ferida cria casca e aquilo
que dentro leva nem mais tem
nome se cala com aquela mudez
de terra de cascalho de carvalho,
que entrevê um corredor
sem curvas de labirinto,
onde se pode habitar/construir
uma outra casa
acendendo uma fogueira
afastando todo ataque
de lobos na noite brava,
de posse de alguma coisa
aguda cortante certeira.


Análise do poema "A rispidez da floresta", de Marly de Oliveira, segundo a teoria de Roman Ingarden

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