Reza a tradição, que o Natal é tempo de amor fraterno e solidariedade. No entanto, os Natais dos últimos anos não têm sido mais os mesmos. Não sei se foram eles que mudaram ou eu, mas lembro-me de um tempo em que, embora ainda não se tivesse o hábito de enfeitar as fachadas das casas, as noites de dezembro, quando se esperava ansiosamente por Papai Noel, eram bem mais luminosas e mágicas do que hoje em dia. Nessa época, não havia crises econômicas, preconceitos étnicos, intransigências políticas e religiosas, crianças abandonadas e outras coisas igualmente tristes. Não existia descaso e indiferença às dores alheias. Um tempo em que se doar era algo natural. Ao menos, eu, na minha gentil infância, assim enxergava.
Recordo-me bem do ano em que esta visão de mundo foi posta em xeque, quando passei a, não só perceber as desigualdades com a cabeça, mas a senti-las com o coração, quando distingui o real sentido da palavra solidariedade. Foi o primeiro Natal que minha família e eu passamos depois da morte de meu pai. Descobrimos um grupo de voluntários anônimos que se reuniam para levar um pouco de conforto aos moradores das rua. Passamos os dias 23 e 24 inteiros organizando pratos com guloseimas para serem distribuídos na noite de Natal. Dividimos a cidade de Porto Alegre em regiões. Separamo-nos em grupos e saímos para distribuir os pratinhos já prontos. O meu grupo ficou com uma região no centro da cidade que inseria a Praça da Matriz. Fui, cheia de sonhos juvenis, viver aquela que seria uma das experiências mais marcantes da minha vida. Era uma dessas noites em que, embora sendo entrada de verão, por um capricho da natureza, são muito frias. Tomamos o cuidado de levar muito chocolate quente em várias garrafas térmicas. Entrei em contato com um mundo que desconhecia completamente. Homens e mulheres que rolam pelas ruas, não só nas noites de natal, mas em todas as outras de suas vidas.
Em frente à Igreja da Matriz, havia dois mendigos comendo em um pratinho e tomando um copo de chocolate quente daqueles que estávamos distribuindo. Estranhamos, pois ainda não havíamos passado por ali. Então, perguntamos a eles se algum voluntário, responsável por outra região, teria lhes dado o lanche. Eles responderam que não. O que aconteceu foi que um deles estava dormindo na Praça XV quando fora acordado pelo grupo que havia ficado responsável por aquela região. O homem, então, logo lembrou-se do amigo que estava na Praça da Matriz sem ter o que comer. Pegou o pratinho e o copo de chocolate quente, foi até onde se encontrava o companheiro de fome e dividiu com ele sua singela ceia de Natal.
A solidariedade do mendigo para com seu amigo e companheiro de infortúnio tocou uma notinha diferente, mais delicada, dentro mim. Mas também não pude deixar de constatar quão curiosa é a natureza humana. Enquanto seres da mesma espécie, tendo muito, sofrem tanto para doar um pouco, outros são capazes de dividir um mínimo, mesmo na mais completa penúria. E o mais curioso é que estes últimos precisam dividir o seu pouco porque os primeiros não abrem mão de acumular o seu muito. Ainda acho que a solidariedade está entre os mais belos sentimentos de que é capaz um ser humano, mas acredito, também, que o mundo, e os Natais em consequência, seriam bem melhores se não precisássemos ser solidários. A necessidade desse sentimento mostra as deficiências de nossa sociedade tão “boazinha”. Por isso, creio que jamais voltarei a enxergar as festas de fim de ano como enxergava em outros tempos, pois, embora ainda haja pessoas solidárias nos Natais, infelizmente, sempre haverá outras que não têm um mínimo de sentimento fraterno durante todo ano.
Recordo-me bem do ano em que esta visão de mundo foi posta em xeque, quando passei a, não só perceber as desigualdades com a cabeça, mas a senti-las com o coração, quando distingui o real sentido da palavra solidariedade. Foi o primeiro Natal que minha família e eu passamos depois da morte de meu pai. Descobrimos um grupo de voluntários anônimos que se reuniam para levar um pouco de conforto aos moradores das rua. Passamos os dias 23 e 24 inteiros organizando pratos com guloseimas para serem distribuídos na noite de Natal. Dividimos a cidade de Porto Alegre em regiões. Separamo-nos em grupos e saímos para distribuir os pratinhos já prontos. O meu grupo ficou com uma região no centro da cidade que inseria a Praça da Matriz. Fui, cheia de sonhos juvenis, viver aquela que seria uma das experiências mais marcantes da minha vida. Era uma dessas noites em que, embora sendo entrada de verão, por um capricho da natureza, são muito frias. Tomamos o cuidado de levar muito chocolate quente em várias garrafas térmicas. Entrei em contato com um mundo que desconhecia completamente. Homens e mulheres que rolam pelas ruas, não só nas noites de natal, mas em todas as outras de suas vidas.
Em frente à Igreja da Matriz, havia dois mendigos comendo em um pratinho e tomando um copo de chocolate quente daqueles que estávamos distribuindo. Estranhamos, pois ainda não havíamos passado por ali. Então, perguntamos a eles se algum voluntário, responsável por outra região, teria lhes dado o lanche. Eles responderam que não. O que aconteceu foi que um deles estava dormindo na Praça XV quando fora acordado pelo grupo que havia ficado responsável por aquela região. O homem, então, logo lembrou-se do amigo que estava na Praça da Matriz sem ter o que comer. Pegou o pratinho e o copo de chocolate quente, foi até onde se encontrava o companheiro de fome e dividiu com ele sua singela ceia de Natal.
A solidariedade do mendigo para com seu amigo e companheiro de infortúnio tocou uma notinha diferente, mais delicada, dentro mim. Mas também não pude deixar de constatar quão curiosa é a natureza humana. Enquanto seres da mesma espécie, tendo muito, sofrem tanto para doar um pouco, outros são capazes de dividir um mínimo, mesmo na mais completa penúria. E o mais curioso é que estes últimos precisam dividir o seu pouco porque os primeiros não abrem mão de acumular o seu muito. Ainda acho que a solidariedade está entre os mais belos sentimentos de que é capaz um ser humano, mas acredito, também, que o mundo, e os Natais em consequência, seriam bem melhores se não precisássemos ser solidários. A necessidade desse sentimento mostra as deficiências de nossa sociedade tão “boazinha”. Por isso, creio que jamais voltarei a enxergar as festas de fim de ano como enxergava em outros tempos, pois, embora ainda haja pessoas solidárias nos Natais, infelizmente, sempre haverá outras que não têm um mínimo de sentimento fraterno durante todo ano.
Vc colocou algo q tbm representa o q sinto: "mudou o natal ou quem mudou foi eu?". Ótimo texto.
ResponderExcluirObrigada, Bruno! Valeu pelo comentário!
ExcluirInfelizmente, as pessoas passam o ano todo em seus mundinhos egoístas e no final do ano querem dar uma de simpáticas, affs tenha dó! esse espírito solidário de querer dividir seu único alimento é completamente verdadeiro, sei que pelas ruas existe esse companheirismo entre os moradores, mas também há muita maldade.
ResponderExcluirÉ verdade, há os dois lados, né? Obrigada pelo comentário!
Excluirótima crônica, triste ver como o espírito de Natal está se perdendo, aquela união de família não é a mesma mais, devido a crise os que tem e podem ajudar não sabem dividir. Mas graças a Deus existem boas almas que dividem o pouco que tem com quem precisa. Esse sim é o verdadeiro espirito de Natal. beijos
ResponderExcluirJoyce
www.livrosencantos.com
E esse espírito deveria prevalecer o ano todo. Obrigada pelo comentário!
ExcluirO natal para mim não tem o mesmo peso que tem para a maioria das pessoas. Como não tenho religião e esta é uma data bem ligada á isso, para mim não faz muito sentido. mas gosto das luzes, das cores e dos presente... rs Acho que natural mudarmos e até saudável. Analisarmos como melhoramos ou como ainda precisamos melhorar. Se a data pode servir para este tipo de reflexão, ela é e sempre será bem vinda!!!
ResponderExcluirMeu Amor Pelos Livros
Beijos
O mais importante é reavaliarmos as nossas atitudes. Obrigada pelo comentário!
ExcluirAdorei o texto. Bastante reflexivo.
ResponderExcluirInfelizmente cada vez mais está se perdendo o motivo e a celebração de amor.
Foi bom ler essas palavras e reafirmar os sentimentos necessários para que o bem se propague.
Amei.
Beijinhos
Rizia - Livroterapias
Cada vez mais o Natal se torna uma festa comercial. :(
ExcluirObrigada pelo comentário!
Adorei o texto e no fim das coisas me pus a pensar quem foi que mudou e vi que quem mudou fui eu, viu? E muito, pois já não consigo ter prazer em dividir as experiências dessa época do ano.
ResponderExcluirRaíssa Nantes
Vamos mudando com o passar do tempo. Amadurecemos e perdemos certas fantasias. Obrigada pelo comentário!
ExcluirOlá!!!
ResponderExcluirParabéns pelo texto que reflete exatamente o que o mundo anda passado, mas não podemos desanimar por conta dos outros, precisamos sempre fazer o bem e está sempre plantando esta ideia. O sentimento e esta magia que envolve a data deve está presente durante todo ano.
Carla Fernanda
Infelizmente, durante o ano perdemos de vista este sentimento. Obrigada pelo comentário!
ExcluirOie,
ResponderExcluirDevo discordar do seu primeiro paragrafo, pois acredito que essas coisas citadas nele sempre existiram, porém, elas nunca esteve em tamanha envidencia com estão hoje.
No mais, fiqui muito emocionada com seu texto e fico chateada em ver que muitas pessoas só pensam em serem e fazerem algo bom no Natal, temos que ser bons o tempo todo, pois Deus é bom todo o tempo conosco.
Parabéns pelo texto. É mais fácil um mendigo dividir sua comida com o outro, pois ele sabe o que é passar fome e para muitos é mais fácil guardar suas riquesas para as traças.
Beijos da Fê
As Catarina´s
É verdade, a dor ensina a ser solidário. Obrigada pelo comentário!
ExcluirOiee ^^
ResponderExcluirNossa, adorei o seu texto ♥ realmente, os natais parecem tão diferentes! Lembro que, antes, quando eu era mais nova, só queria receber os presentes e estar com minha família durante essa época, e ainda sinto isso, mas também sinto tristeza pelas pessoas que não podem ter uma ceia, receber presentes e etc. Acho engraçado que, durante o ano todo, ninguém parece mover um dedo para ajudar, e na época natalina, todo mundo se solidariza. Deveríamos ser assim todos os 365 dias *-*
MilkMilks
http://shakedepalavras.blogspot.com.br/2015/12/o-ultimo-dos-canalhas.html
Solidariedade o ano todo seria o ideal. Obrigada pelo comentário!
ExcluirEu fico bem triste com o 'Fim do Natal' adoro o clima de união, de ver as luzes e todas essas coisa, ano passado pude unir minha família com a do meu marido, e lembro que minha sogra chegou ficar emocionada.
ResponderExcluirAcho que a solidariedade, também não precisaria existir simplesmente por que todos deveriam ter condições na vida, é uma pena que o fato de eu querer não vai mudar as coisas, e o que eu posso fazer, doar o que eu não preciso mais, comprar uma caixa de leite a mais para doar para uma instituição entre outras pequenas coisas, mas também acho errado me vangloriar disso.
Mas realmente queria muito sair para ver as luzes novamente, mas até isso parece que morreu aqui na minha cidade
Às vezes um pequeno gesto já é o suficiente para alguém. Obrigada pelo comentário!
ExcluirLinda crônica, está todo o sentido do natal. Infelizmente nem todas as pessoas tem o sentimento dentro delas nessa época, mas não apenas no natal mas sim no ano todo. É um assunto complicado e delicado, né? Gostei muito da mensagem do texto.
ResponderExcluirBeijos
http://www.oteoremadaleitura.com/
Muito delicado mesmo, Kétrin. É algo para se refletir bastante. Obrigada pelo comentário!
ExcluirLindo seu texto. A verdade é que sempre quem menos tem é quem sempre mais partilha. E realmente foi você quem mudou porque no mundo sempre existiu o preconceito, a maldade, as diferenças. E a gente só começa a ver quando a ingenuidade passa a coexistir de uma outra forma.
ResponderExcluirBeijos,
Greice Negrini
Blogando Livros
www.amigasemulheres.com
É, acho que essa perda da ingenuidade é quase que uma expulsão do paraíso. Obrigada pelo comentário!
ExcluirOiii!
ResponderExcluirAaaah crônicas!
Eu adoro lê-las! Parabéns pela escrita que está muito bem feita em envolvente (não sei se já perguntei maaaas, já pensou em colocar no papel?)
O tema é muito legal para crônicas e tem uma moral e puxão de orelha implícito bem interessante. Parabéns!
Beijinhos
Já pensei sim, Ana Paulo! haha Obrigada pelo comentário!
ExcluirNossa, quase chorei aqui na parte em que os dois mendigos estavam dividindo a refeição. Muito legal essa crônica, seria bem melhor se todos tivesse ao menos o básico, né? Tem gente que diz que não se deve dar o alimento, e sim ensinar a pescar, fico com aquela premissa de que tem gente que nem tem forças pra isso de tanta fome... ensinar a pescar sim, mas quando as necessidades básicas das pessoas forem atendidas. Parabéns pelo texto!
ResponderExcluirBeijo!
Ju
Entre Palcos e Livros
Concordo com você, o melhor é ensinar a pescar, mas às vezes, como medida emergencial, devemos dar o peixe até que o sujeito possa pescar. Obrigada pelo comentário!
ExcluirOi Tatiana, sua linda, tudo bem
ResponderExcluirVocê me emocionou mito com sua crônica, agradeço por compartilhar essa experiência comigo. Quando eu penso que não há mais esperanças, alguém me surpreende. Que gesto grandioso e humano. Eu também pensava que o sentido do Natal havia se perdido, mas você mudou isso, com seu lindo texto. De coração, que essa atitude se replique.
beijinhos.
cila.
http://cantinhoparaleitura.blogspot.com.br/
Que bom que gostou, Cila! Obrigada pelo comentário!
ExcluirOlá, Tatiana!
ResponderExcluirAchei sua crônica super pertinente, ainda mais na sociedade em que estamos vivendo. As pessoas estão mais preocupadas com roupas, decorações do que com o real sentido do Natal, que é a união familiar, a celebração do nascimento do menino Jesus. É uma pena ver os caminhos que estamos trilhando.
Beijos,
entreoculoselivros.blogspot.com
Também acho uma pena, Thayenne. Obrigada pelo comentário!
ExcluirOlá,
ResponderExcluirAchei a crônica linda. Caramba, é bem verdadeira. Acho importante dividir o que temos demais com pessoas que tem de menos. E eu me sinto tão mais leve e bem quando divido um alimento, uma roupa, algum tecido ou almofada, com alguém que precisa mais do que eu. É um sentimento incrível.
Beijos
Delírios Literários da Snow
Faz bem a quem dá e a quem recebe, né? Obrigada pelo comentário!
ExcluirSabe que eu não sou muito fã do natal? E a sua crônica me fez pensar que o real motivo é a solidariedade exagerada nesse período do ano. Não que a gente não tenha que ser solidários, mas penso que não adianta nada passar o ano todo virando as costas para quem precisa e chegar no natal e querer correr atrás do tempo perdido...
ResponderExcluirParabéns pela crônica!!! Belo uso das palavras!!!!!
Beijinhos,
Lica
Amores e Livros
Verdade, precisamos de solidariedade o ano todo. Obrigada pelo comentário!
ExcluirEu lembro com saudade do Natal mágico que teve minha infância. Mas a realidade bateu à porta e foi duro encarar o que era a realidade.
ResponderExcluirNossa, essa crônica está perfeita, reflexiva,crível e tocante. Parabéns pelo belo texto!
Beijos.
Leituras da Paty
Também sinto saudades do Natal da minha infância. Obrigada pelo comentário!
ExcluirOlá... tudo bem??
ResponderExcluirGostei muito do seu texto, eu sinceramente não curto o natal, pra mim é mais um dia que se passa... infelizmente as pessoas não levam mais a sério essa data e ela é totalmente do meu campo de visão... sim a solidariedade para com o próximo é para poucos, mas não devia ser somente no final de ano... mas sempre que fosse possível, muitos moradores de ruas estão nas ruas por falta de opção e outros por livre escolha, mas devemos ser solidários sem julgamentos, acho que as pessoas se preocupam demais com seu umbigo e esquece que existe outras pessoas que dariam mais valores com algumas coisas...enfim nada é tão fácil, mas se todos tivessem o mesmo pensamentos, acredito sim que o mundo seria muito melhor. Xero!
Acho que o problema é justamente esse, Diana, só há solidariedade no final do ano. Obrigada pelo comentário!
Excluir