Há um bom tempo não lia nada de Charles Kiefer, escritor do qual gosto muito. Devo dizer que o meu reencontro com este autor não poderia ter sido melhor, pois a obra Dia de matar porco, publicada pela Editora Dublinense, não perde em nada para os romances anteriores escritos por Kiefer, dos quais tanto gostei. Neste livro, vamos, aos poucos, tornando-nos mais e mais envolvidos com a história do narrador-protagonista, Ariosto Ducchese, um homem que acaba de sobreviver a um sangramento terrível, oriundo de um erro médico, que quase o levou à morte. Ninguém volta o mesmo de uma experiência de quase-morte. Ariosto, já se recuperando no quarto, vê sua mãe morta, em uma espécie de alucinação causada pelos remédios. Ou será mesmo o fantasma de sua mãe?
Logo descobrimos que Ariosto carrega consigo, durante anos, a culpa por um erro cometido no passado. Algo que o fez afasta-se de sua família por longos 35 anos. Mas ao sair do hospital, suas lembranças e fantasmas do passado começam a persegui-lo. Ao acompanharmos as reflexões de Ariosto acerca de seu passado, vamos descobrindo mais sobre ele, filho de um casal de colonos, que vivia na cidade fictícia de Pau D'Arco com os pais e mais dez irmãos e que saiu de casa para servir no Exército e nunca mais voltou. Ficamos sabendo sobre um ritual da região, o qual o narrador chama de dia de matar porco, que consiste na iniciação dos meninos na vida adulta, sendo necessário para isso, matar um porco, que servirá de alimento para a família. Ficamos sabendo, também, a razão pela qual o nosso protagonista carrega tanta culpa, sentindo-se responsável pelos infortúnios da irmã Luíza.
Ariosto tornou-se um Advogado bem sucedido, homem viajado, casado e pai de duas filhas. Divide um próspero escritório de advocacia com a mulher e a filha mais velha, ambas também advogadas. Mas após a passagem pelo hospital, é torturado por pesadelos que fazem com que a sua mulher o convença a empreender uma viagem de volta a Pau D'Arco, uma viagem de volta às origens. E enquanto acontece essa viagem de retorno à sua terra natal, acontece, também, uma viagem interior, na qual Ariosto se vê enfrentando o que há de mais sombrio em si mesmo. E ao rever um de seus irmãos, tem a grande revelação de que o ato cometido anos antes, que o fez carregar uma culpa imensa por tanto tempo, resultou em algo ainda mais terrível do que ele poderia supor. Para quem gosta de finais surpreendentemente bombásticos, esse livro é um achado.
Uma das coisas que mais aprecio na escrita de Kiefer, é o seu domínio e a sua habilidade incontestável com as palavras, sua forma elegante de escrever. Mas gosto, também, da facilidade que ele tem de me surpreender. O texto é muito tranquilo e agradável de se ler, até que descubro o que o personagem fez no passado para se sentir tão culpado e, então, embora já desconfiasse de que algo havia ocorrido, recebo um choque. Mas tudo bem, afinal é um livro do Kiefer, já estou acostumada. Porém, quando menos espero, ele apresenta algo que eu jamais suporia, e que me deixa por horas pensando no livro, após concluída a leitura. Seus títulos são sempre intrigantes, e este não é diferente. Claro, dia de matar porco é uma referência ao ritual anteriormente mencionado, mas qual não é a minha surpresa quando percebo que há uma relação com o desfecho tão inesperado do livro. Há, ainda, dois aspectos do livro que acho muito interessantes. Um é o fato de Ariosto trazer, no desenvolvimento da obra, algumas reflexões sobre o ato de escrever, já que o nosso personagem pretende contar a sua história, iniciando-se na carreira de escritor; a outra é uma brincadeira que Kiefer faz com um desentendimento que teria ocorrido entre o narrador e o escritor, ou seja, entre Ariosto Ducchese e Charles Kiefer, sobre questões autorais. O que posso dizer é que fiquei profundamente envolvida, encantada e, ao fim, apaixonada por Dia de matar porco. Recomendo o livro a todos que apreciem a leitura de uma verdadeira obra de arte literária.
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