A comédia mundana, de Luiz Biajoni - Chiado Editora

A comédia mundana, de Luiz BiajoniHá muito tempo não lia nada que me surpreendesse tanto nem me tirasse da zona de conforto como o livro A comédia mundana, de Luiz Biajoni, da Chiado Editora.  Ao ler os comentários sobre a obra no site da Editora Chiado, logo percebi que se tratava de um livro forte. O título sugerindo, talvez, uma relação de intertextualidade como A comédia mundana, de Balzac, livro do qual gosto muito. Solicitei o livro à editora, que o enviou gentilmente. A primeira impressão não chegou a ser uma surpresa, mas a comprovação de que, como mostra o site da editora, veja AQUI, a capa é muito bonita. Já sabia que o livro é composto por três novelas policiais (sacanas) que podem ser lidas separadamente sem nenhum prejuízo na compreensão do texto. Então, eis que abro o livro no sumário e tenho a primeira surpresa: o nome das novelas. 

A comédia mundana, de Luiz Biajoni
Sim, surpreendi-me com a linguagem crua do autor, e nessa surpresa, percebi que precisaria sair da minha zona de conforto para fazer essa leitura, pois já não sabia muito bem o que esperar da obra. Obviamente, aceitei o desafio, já que cá estou resenhando o livro. E querem saber de um segredo, que só contarei a vocês? Amei ler A comédia mundana! É simplesmente impossível desgrudar da leitura. São quinhentas e poucas páginas que passam voando. Sim, há sexo e muitos palavrões no livro, mas em nenhum momento isso se dá de forma apelativa, ao contrário, cada palavra dita e cada ação praticada pelos personagens são absolutamente necessárias à coerência interna da obra.

As três novelas iniciam-se da mesma forma: alguém anuncia que fará uma cirurgia. Na primeira, Virginia diz ao namorado, Luiz, que operará as hemorroidas para que eles possam continuar fazendo coisas de que gostam muito; na segunda, um grande empresário da cidade, casado e pai de uma menina, comunica ao namorado que fará uma operação de troca de sexo; e na terceira, Carol avisa à mãe (a Virgínia da primeira novela) que fará um procedimento de recomposição da virgindade. Embora possa dar a impressão de que o foco do livro é o sexo, garanto que não é, ao menos não só isso. Na verdade, a questão toda é o poder: o poder da imprensa marrom, o poder do mais forte sobre o mais fraco, o poder de quem usa a fé para manipular, o poder do dinheiro, dos vícios, da chantagem e, claro, o poder de quem usa o sexo como forma de alcançar os seus objetivos.


A comédia mundana, de Luiz Biajoni

Na primeira novela, além dos conflitos amorosos de Virginia e Luiz (entre outros envolvidos, como o Dr. Julio, Luciana e Ana), a história gira em torno de um estupro, praticado por Santos e outros dois garotos, menores. Virginia, que trabalha em um jornal cuja ênfase é dada para notícias policiais, é chamada para auxiliar o experiente jornalista Geraldo Assis na cobertura da matéria. No desenrolar da narrativa, vamos vendo como pessoas acima de qualquer suspeita podem ter o seu lado sombrio, o que, aliás, acontecerá também nas outras duas novelas. Na seguinte, Descobrimos que um personagem da novela anterior tem uma relação homoafetiva com um empresário (aquele da troca de sexo) que morre no início da história. Na sequência, há uma sucessão de crimes que deixam a cidade em polvorosa. Por trás dos crimes, uma mulher rica, linda e sedutora, porém amarga por não ter conseguido conquistar o único homem a quem realmente amou. A terceira e última novela acontece alguns anos depois. Virginia tem uma filha adolescente que parece ter puxado à mãe no que se refere ao furor sexual. A menina fica noiva de um pastor da igreja evangélica que a família frequenta, por interesse, claro, pois a família do pastor é rica, graças aos donativos dos fiéis. O que Virginia e a filha não sabem é que o pastor é gay e tem um relacionamento homoafetivo, além de ser traficante. A menina e o pastor casam-se e um crime acontece. Em meio a essa trama, conhecemos um desejo de vingança por abusos cometidos no passado de um dos personagens.

A obra é repleta de críticas sociais, do início ao fim. Mas muito mais do que isso, é uma crítica à natureza da humanindade, eu diria até que as três novelas policiais sacanas de Luiz Biajoni fazem um raio X da alma humana, mostrando o que ela possui de pior e, em alguns momentos, de melhor também. A narrativa possui um ritmo dinâmico e os personagens conseguem nos envolver. Aliás, a construção dos personagens é feita de forma primorosa pelo autor, fazendo com que, por vezes, fiquemos penalizados por algo que ocorra com um determinado "vilão". Para ser mais exata, eu diria que Biajoni simplesmente subverte a noção que temos de herói e de vilão. Apesar de entender que para algumas pessoas não seja muito agradável uma leitura em que as palavras (e as verdades sobre a sociedade em que vivemos) sejam ditas de forma tão crua, recomendo a leitura de A comédia mundana para todos que apreciem uma obra verdadeiramente crítica, que vá ao cerne da natureza humana, sem nenhum medo ou falso pudor, uma obra, enfim, verdadeira.


A comédia mundana, de Luiz Biajoni

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