A senhora Beate e seu filho, de Arthur Schnitzler: entre o amor materno e o incesto - Editora L&PM

A senhora Beate e seu filho, de Arthur Schnitzler: entre o amor materno e o incesto - Editora L&PM
O incesto é um tema que, ao mesmo tempo em que causa horror, provoca interesse, o que pode ser facilmente confirmado se pensarmos na curiosidade que despertam as obras que tratam do assunto. Algumas se ocupam de relações incestuosas entre mãe e filho, como a tragédia grega Édipo Rei, de Sófocles; outras narram relacionamentos proibidos entre irmãos, como Os Maias, de Eça de Queirós, história na qual dois jovens que desconheciam o parentesco que os unia tornam-se amantes, mantendo o relacionamento após a descoberta dos laços consanguíneos; ou, ainda, a obra de Helder Macedo, intitulada Pedro e Paula, na qual um rapaz sofre o tormento de um desejo reprimido por sua irmã, o que termina por levá-lo a cometer o estupro. A obra A senhora Beate e seu filho, do escritor austríaco Arthur Schnitzler, é um caso em que há desejos incestuosos, mas estes se dão em um nível inconsciente, mascarados de zelo materno. São sentimentos inconscientes de incesto de uma mãe em relação ao filho. 

Após a morte do marido, Beate viveu durante alguns anos sem nenhum envolvimento emocional, dedicando-se somente ao filho, o jovem Hugo. Apesar desse isolamento, podemos perceber, através de certas pistas que vão sendo deixadas pelo caminho, que se trata de uma mulher com uma sexualidade bastante intensa. Os instintos reprimidos de Beate são como animais selvagens que não se deixam aprisionar por muito tempo e ela, aos poucos, começa a tomar conhecimento de que seus desejos ainda existem. Em alguns momentos a viúva respeitável se vê em meio a certos jogos de sedução que, aos poucos, lhe vão revelando que já não poderá mais ignorar sua própria natureza. Nessa luta entre a própria animalidade e o amor materno, entre natureza e civilidade, a protagonista encontra em Fortunata, mulher de reputação suspeita, a imagem de tudo o que ela tenta negar em si mesma e, então, resolve “proteger” o filho de uma mulher tão inadequada. Dentre as possíveis explicações de estudiosos para a aversão ao incesto está a de que, ao abrir mão de filhos e irmãos, afirma-se a possibilidade de relação com todas as outras pessoas com as quais não se tem laços de consanguinidade e, de uma forma inconsciente, Beate parece “ceder” Hugo a Fortunata a partir do momento em que inicia o seu relacionamento com o jovem Fritz Weber e deixa o filho mais livre.

O livro é fortemente marcado por um sentimento de perda da juventude e pelo sonho de retorno a ela. Beate percebeu que o seu lugar era junto aos mais velhos, mas entristeceu-se com isso. Em uma passagem mais adiante, há uma associação do crepúsculo com o envelhecimento e um sentimento de melancolia por isso, ao mesmo tempo em que a protagonista sente falta do filho, que representa a juventude perdida. Certamente, relacionado a esse desejo de retorno à juventude, Beate deseja que Hugo volte a ser como antes, quando os dois compartilhavam segredos e tinham profunda intimidade. Entretanto, o desejo de retorno à origem mais forte em Beate é a vontade inconsciente no sentido de regressar a um estado mais instintivo, do qual ela se afastara para poder ocupar o seu lugar de viúva séria e mãe dedicada na sociedade.

Há em Beate, no decorrer da narrativa, uma transformação e uma tomada de consciência sobre si mesma e sobre os próprios instintos que ficam muito evidentes no terceiro capítulo, em que acontece o desfecho. Ao iniciar o capítulo, o narrador deixa evidente que a protagonista passou de um estado de absoluta treva para a claridade: “quando Beate saiu da escuridão da sombra da floresta, aparecendo a céu aberto, o caminho de saibro estendeu-se a seus pés, ensolaradamente branco e ardente (…)” Esse é o momento em que Beate retorna para casa de um passeio. Ela está prestes a descobrir que cometeu um erro confiando no jovem Fritz, que não saberá guardar segredo sobre o caso amoroso dos dois. Beate, finalmente percebe que não há tanta diferença entre ela e Fortunata, já que sua conduta não condiz com a posição de mulher honrada que ela ocupa na sociedade em que vive. No desespero de ser descoberta pelo filho em sua aventura amorosa com Fritz, Beate começa a conceber um plano que desencadeará o desfecho da obra. 

Apesar de abordar um tema pesado, a obra é belíssima, profunda e rica em significados. É um livro pequeno, leitura para um dia, no máximo dois. Excelente para quem gosta de um bom drama psicológico.

A senhora Beate e seu filho, de Arthur Schnitzler: entre o amor materno e o incesto - Editora L&PM

22 comentários:

  1. Olha, para ser bem sincera não gosto de livros com o tema incesto não, mesmo que nesse caso seja uma relação incestuosa inconsciente acho que não leria. Mas gostei muito de algumas análises que você fez sobre a obra, que realmente não sei se perceberia a menos que estejam muito na cara, como a relação do crepúsculo com o envelhecimento e a protagonista sentindo falta do filho, que representa a juventude perdida.

    Beijo!

    Ju
    Entre Palcos e Livros

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    1. Pois é, Ju, essa é uma mania que eu tenho. As entrelinhas me interessam mais do que aquilo que está na cara. haha Obrigada pelo comentário! Beijo!

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  2. Oie!
    Sinceramente, não sei se faria a leitura desse livro. Confesso que não é uma trama que me interessa, e sei que vou me sentir incomodada desde a primeira página. Vou deixar esse livro de lado, pois não é algo que me atrai para distrair.
    Bjks!
    http://www.historias-semfim.com/

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    1. Ah, sim, leitura não é para incomodar, né? Leitura deve ser sinônimo de prazer! Obrigada pelo comentário!

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  3. Oiee.

    Nunca li um livro que trate de insesto, mas tenho vontade de ler Proibido, pois sempre dizem que é uma leitura devastadora. Fiquei curiosa para conhecer essa trama e espero ter a chance de ler


    Beijos da Fê
    As Catarina´s

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    1. Olha, Fe, não sei se é uma leitura devastadora. Acho que isso depende da recepção de cada leitor. Mas certamente é uma leitura rica em significados e cheia de possibilidades interpretativas. No meu ponto de vista, vale a pena. Obrigada pelo comentário!

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  4. Oiee ^^
    Ainda não conhecia esse livro, mas fiquei curiosa. Não sei se o leria agora, pois estou querendo fechar o ano com leituras mais leves (já li muitos livros fortes e tristes em 2015 *-*), mas vou anotar na listinha de desejados, pois quero conhecer essa história.
    MilkMilks
    http://shakedepalavras.blogspot.com.br

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    1. Sei como é, falta tão pouco tempo para terminar o ano que nem podemos fazer muitos planos de leitura. Mas 2016 está aí... quem sabe, né? ;)
      Obrigada pelo comentário!

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  5. Confesso que não conhecia o livro. ótima resenha!!
    Bjs
    http://eternamente-princesa.blogspot.com.br/
    Obs: Please, dê a curtida básica em: https://www.facebook.com/eternamenteprincesa/

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  6. Oiie,

    Nunca li livro com esse assunto de incesto, e sabe, sinceramente não leria, não gosto, é contra o que acredito, os meus princípios. Por isso vou passando a dica, tá?

    beeijos

    ♡ Amantes da Leitura


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    1. Ah, entendo! Na verdade é contra os meus princípios também. Mas eu não me importo de ler, afinal, é só ficção! ;)
      Obrigada pelo comentário!

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  7. Olá, eu nunca tinha visto esse livro antes, mas confesso que fiquei bem curiosa com ele por abordar um tema forte, eu gosto desse tipo de leitura, e talvez por isso eu dê uma chance a ele quando eu tiver uma oportunidade, fiquei bem curiosa!

    Beijos

    http://www.oteoremadaleitura.com/

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    1. Apesar do tema forte, ou talvez por isso, é um excelente livro, Kétrin. Recomendo! Obrigada pelo comentário!

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  8. Olá,
    Confesso que não leria o livro por ser um assunto que não me interessa, esse tipo de coisa me causa sentimentos conflitantes e geralmente saio atormentada desse tipo de leitura, então prefiro nem realizá-la.
    Beijos.
    Memórias de Leitura - memorias-de-leitura.blogspot.com

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    1. Claro, nesse caso é melhor não ler mesmo. Nada pior do que terminar uma leitura sentindo-se mal, né?
      Obrigada pelo comentário!

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  9. Olá,

    O assunto incesto nunca me chamou a atenção, até que um certo dia li num blog um livro chamado Proibido, o livro irá retratar este tema tão polêmica e pela primeira vez quis ler algo do tipo. Eu gostei da premissa do livro e como você o descreveu na sua resenha me despertou o interesse. Espero encontrá-lo, pois quero saber como será o desenrolar desta estória.

    Beijos,
    entreoculoselivros.blogspot.com

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    1. O livro é muito interessante mesmo, apesar do tema pesado e polêmico. Obrigada pelo comentário!

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  10. Olá.
    Adorei a capa, mas apesar de amar um drama psicológico eu não leria.
    Passei muito mal lendo Proibido da Thabita Suzuma por ter um assunto tão tão repulsivo, claro gostei do livro é de sentimentos puros e tals, mas mãe e filho é ainda pior.
    Eu sou mãe e isso não me faria nada bem, mexeria com meu psicológico a ponto de me deixar deprimida.
    Então apesar da sua bela resenha, eu passo a leitura.
    Beijos.

    Giuliana

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    1. Sim, se fará mal, melhor não ler mesmo. Na verdade não há incesto declarado, fica somente em nível inconsciente, como já mencionei. De qualquer forma, se você é tão sensível assim, melhor nem arriscar, né? Obrigada pelo comentário!

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  11. Olá.
    Um tema polêmico, porém me desperta interesse para saber a motivação da personagem. Ótima resenha.
    http://aproveiteolivro.blogspot.com/

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