Dia de pagamento - crônica


Você chega em seu local de trabalho e logo percebe que algo muito estranho está acontecendo. Nos rostos uma expressão atormentada que causa um profundo mal-estar. Cada movimento, cada gesto lhe dá a sensação de que as pessoas acordaram mais pesadas do que no dia anterior. Então, num instinto natural, você verifica se não estão trabalhando acorrentados. Bobagem! Foi só uma falsa impressão. Anda alguns passos e já presencia uma abrasadora discussão por uma tolice qualquer. O ambiente gris não deixaria dúvida até mesmo ao observador mais distraído: hoje é dia de pagamento. Os colegas sequer conversam entre si, porque um inocente bom dia pode ser interpretado como um insulto. Os chefes trancam-se em seus gabinetes e de lá só saem (com escolta policial) quando todos os funcionários tiverem ido embora.

O dia de pagamento costuma ser muito perigoso. É quando coisas estranhas acontecem, como por exemplo: grampeadores e calculadoras de mesa que passam voando a um milímetro das suas orelhas, ou o café do diretor da empresa, que é secretamente “adoçado” com sal amargo. É comum, os banheiros aparecerem, misteriosamente, pichados com palavrões e desaforos àqueles que efetuam o acerto mensal.

Esse dia é responsável por um desses sintomas da vida moderna. Trata-se da tenção-pré-dia-de-pagamento. Começa a manifestar-se há mais ou menos dois dias antes de você receber o seu salário, através de depressões, dores de cabeça, indisposições sem motivo aparente e muita irritabilidade, tendo seu ponto culminante no próprio dia em questão. Existe, porém, um antídoto que alivia os incômodos dessa fase do mês. É quando aparece alguém lhe contando aquelas piadas sobre o patrão. Aliás, este é o dia em que mais surgem anedotas desse tipo, e em nenhum outro você as acha tão engraçadas.


Mas, como todas as fases, essa também passa. E depois do tempo necessário para que você, de fato, se conforme com mais alguma conta pendurada, reduzir ainda mais os gastos com supérfluos (alimentação, por exemplo) ou acumular a mensalidade da escola de seu filho, a paz volta a imperar. E, afinal, tudo fica esquecido. Pelo menos até o próximo final de mês, quando, novamente voltarem os sintomas.

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