A mão delicada desliza sobre os cabelos acetinados da menina, que acorda e dirige um olhar interrogativo à mãe. Ainda não sabe se ganhará a boneca que pediu ao papai de aniversário. O olhar carinhoso que recebe como resposta a tranquiliza, o presente virá. Entre brincadeiras e beijos afetuosos, a mãe segura a criança no colo como fez há três anos, fingindo que o tempo não passou. O desjejum é a hora do segredo entre as duas: a menina ainda toma mamadeira! Mas mamãe é boa, não contará a ninguém.
Bia está
triste porque não tem visto papai ultimamente, já que ele sai muito
cedo para trabalhar e só volta quando ela está dormindo. Mamãe
disse que é para ganhar dinheiro e comprar o seu presente. Ao mesmo
tempo, ela está feliz, porque é seu aniversário e ele virá mais
cedo para casa trazendo a boneca tão esperada. Papai é muito
bonzinho!
Enquanto
mamãe cuida dos preparativos para a festa, Bia brinca com Napoleão
no jardim. A menina abraça o cão, desliza os dedos miúdos sobre o
pelo macio, sente a língua quente e áspera em contato com sua pele
delicada. Napô abana o rabo. Mamãe disse que ele faz isso quando
está feliz. Será que ele sabe que papai trará uma boneca? Uma
borboleta colorida faz rodopios entre as plantas e Bia resolve
segui-la para ver aonde ela irá, mas a danada é muito rápida e a
menina a perde de vista. Para compensar, colhe uma florzinha com
pétalas pequenas, que são arrancadas, uma a uma, e coladas, com
saliva, às unhas. Bia está linda, vai à festa de esmalte vermelho.
Mamãe chega com brandura e a abraça. A pequena desiste das unhas
postiças que teimam em cair e dilui-se naquele corpo quentinho que a
segura. Cheiro de mãe é tão bom!
A casa
está cheia. As crianças da escola com suas mães, os amigos das
casas vizinhas, a avó e as tias, todos felizes. Napoleão está
preso em um canto do jardim, mamãe disse que se não o prenderem ele
vai sujar as roupas dos convidados. Bia ganhou muitos presentes, está
feliz, mas sente-se incompleta. Faltará algo enquanto papai não
chegar. Não vê a hora de tomar a boneca nos braços,
carinhosamente, assim como mamãe a segura. Em meio à balbúrdia das
crianças, a pequena consegue distinguir o barulho do carro do papai.
Seu coração explode no peito. Mal pode esperar para lhe dar um
abraço apertado. Papai desce do carro e Bia o vê pegar um pacote
enorme, envolto em papel colorido. Como papai é lindo!
O homem
se aproxima da criança e beija-lhe a testa, entregando-lhe o pacote.
Ela quase não o consegue segurar com seus pequenos braços. Larga-o
no chão e, com prazer, rasga o papel que o envolve. É a boneca mais
linda do mundo, parece uma menina de verdade. Ao virar-se percebe que
o pai já não está mais junto dela.
Bia
vai atrás e o vê trancar-se no quarto com mamãe. Sente-se de fora
do seu próprio mundo. Fica durante alguns instantes em frente à
porta, com o coração acabrunhado. Vindas lá de dentro, chegam até
a menina as vozes das duas pessoas a quem tanto ama, mas ela não
entende o que dizem. Vovó vem buscá-la para que brinque com os
amigos. A garota percebe algo insondável nos semblantes das tias e
da avó. Elas usam, a todo o momento, a expressão aquela
mulher, referindo-se
a alguém a quem Bia não conhece. Quem é aquela
mulher?
A menina não sabe. Esforça-se para entender, mas não consegue.
Finalmente
papai sai do quarto, mas mamãe ainda fica lá dentro, agora com a
avó e com as tias. Ele segura a filha no colo, beija-lhe o rosto e a
abraça. Cheiro de pai também é bom! Os olhos do homem encontram os
da menina e ela sente, em um breve e eterno momento, que nada mais
será como antes. Seu pequeno coração diminui, aperta, dói. O pai
a beija mais uma vez, levanta-se, pega aquela caixa escura com alça
onde a mãe guarda as roupas quando viajam e a leva para o carro.
Antes de partir, acena mais uma vez para a filha. Bia não entende
por que ele deve voltar para o trabalho, se já comprou a boneca
linda que ela tanto queria.
Texto publicado originalmente no Scribe.
Texto publicado originalmente no Scribe.
Nossa coitadinha kkkk é um conto tão lindo mais tão triste ao mesmo tempo *-*
ResponderExcluirGostei bastante *-*
Bjnhs
http://karoline-caro-sonhador.blogspot.com.br/2015/10/a-beleza-da-simplicidade.html
Obrigada, Karoline! Fico feliz que tenhas achado que, apesar de triste, o conto é lindo. Super abraço!
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