Vidas Secas, de Graciliano Ramos: o humano em sua essência - Editora Record

A obra modernista Vidas Secas, de Graciliano Ramos, narra a saga de uma família de retirantes sertanejos que tenta sobreviver à crueldade da seca. O casal, Fabiano e sinhá Vitória, com seus dois filhos e a cachorra Baleia veem-se obrigados a um constante deslocamento em busca de um lugar melhor para viver e fugir de uma vida miserável. A história é narrada em terceira pessoa, aliás, esse é o único livro do autor com esse foco narrativo. Na verdade, tal escolha se deve à total incapacidade de qualquer dos personagens contarem a própria história de uma forma minimamente satisfatória, por possuírem uma articulação verbal extremamente precária, resultado da vida sacrificada e sem recursos que levam. 

A comunicação entre os integrantes da família dá-se, frequentemente, através da emissão de sons guturais. No entanto, por detrás de toda essa precariedade vocabular, percebemos uma imensa riqueza interior em Fabiano, que não consegue expressar essa profundidade por não saber como se articular. Fabiano apercebe-se de suas limitações, e seu dilema aparece em momentos em que se define como homem e, em outros, como bicho, oscilando entre orgulho e vergonha: “Fabiano, você é um homem”, “Você é um bicho, Fabiano”. E os limites entre homem e bicho tornam-se ainda mais tênues quando, ao ser recebido a lambidas pela cachorra Baleia, Fabiano, enternecido, diz: “Você é um bicho, Baleia”. É interessante observar, também, que os dois filhos não têm um nome na história, são chamados de “menino mais novo” e “menino mais velho”, mas a cachorra, o bicho, possui um nome, Baleia, e, assim como os meninos, um capítulo só para ela. A cachorra, na trama, é quase humana, e além dela, tem o papagaio que não fala, só late porque é o único som que escuta. 

Tudo isso é vivenciado no sertão, um espaço de extrema hostilidade ocasionada pelas chuvas escassas e irregulares, esquecido pelos governantes, sem nenhum investimento social. Mas apesar de toda essa miséria, Fabiano consegue exercer um bom domínio de seu ambiente, o que lhe confere uma autoimagem, até certo ponto, digna. Vidas Secas é, sem dúvidas, um dos melhores livros que já li. O autor demonstra um domínio ímpar da linguagem, digno de um mestre da escrita, além de uma imensa sensibilidade e percepção da natureza humana, aliás, o humano aparece aqui em pura essência. Recomendo o livro a todos que pretendem fazer a leitura de uma verdadeira obra de arte literária.




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